A pesquisa ‘Pássaros voam em bando’ está reunindo depoimentos de especialistas que viveram grande parte da história das redes no Brasil. O objetivo é entender o processo que levou o país ao acesso à internet, por meio de depoimentos, análise de documentos e pesquisa explicativa.
“Hoje, os analistas sociais procuram estudar as transformações trazidas à sociedade onde a internet está acessível e, para isso, é preciso conhecer as origens, onde está a força propulsora dessas mudanças”, explicou a responsável pela pesquisa e assessora de Comunicação da Associação Nacional para Inclusão Digital (Anid), Marcia Dementshuk.
Ela e o presidente da Anid, Percival Henriques, estão desenvolvendo o projeto desde julho de 2015 e já fizeram, até o momento, entrevistas com 72 pessoas que viveram – e vivem – essa história. O resultado final será publicado em um livro-reportagem mesclando enredo, depoimentos e análise. O título é alusivo ao ditado comum entre profissionais de computação: ‘birds of a feather, flock together’. Confira abaixo uma entrevista com a pesquisadora e jornalista.
Como surgiu a ideia desse projeto?
Eu estava como repórter no jornal Correio da Paraíba, em 2013, quando entrevistei Demi Getschko sobre o esgotamento do IPv4. Depois, satisfazendo minha curiosidade, ele começou a contar inúmeras histórias sobre o início das redes no Brasil, o que me despertou mais perguntas! Procurei livros ou artigos sobre as origens da internet, mas só encontrava histórias em partes. (Peter Knight ainda não havia lançado o livro dele, “A Internet no Brasil”!). Então resolvi buscar essas partes e montá-las em um inteiro. Apresentei a ideia para Percival Henriques e ele imediatamente se encantou. Montamos o projeto e ele encaminhou para o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br/NIC.br), o qual concordou em patrocinar. A Anid também entra com recursos complementares.
Qual é o impacto esperado com esse projeto?
Conhecendo a nossa própria história, aprendemos a valorizar os nossos bens. Nessa perspectiva, considero a internet um bem que sofre ameaças por diversos lados: a neutralidade, a liberdade, a privacidade. Sofre pressões de grupos políticos e econômicos e é assim desde que nasceu, em cada país, de forma singular. Para a sociedade se posicionar diante disso, é preciso entender o contexto e como a internet está estruturada – técnica, política, econômica e culturalmente. Outro fator importante é a pesquisa científica. Nos deparamos com situações que se repetiram ao longo das décadas, com a computação, depois em redes, que evidenciaram o quanto a pesquisa é fundamental para o desenvolvimento de uma nação. Eu ouvi de muitas pessoas que tecnologia é estudar a técnica e saber como fazer. Em meio a nossa cultura consumista, compramos pronto a um custo alto quando temos os meios, os instrumentos, os métodos e a capacidade intelectual para criar.
Como foi participar do painel histórico do WRNP com especialistas que viveram grande parte dessa história?
Eu tenho uma sensação de gratidão incontrolável quando penso que por causa dos esforços deles e de centenas de outras pessoas conhecidas e anônimas que atuaram nesse período, temos o modelo de acesso à internet praticado hoje no Brasil. Poderia ser muito diferente. Poderíamos estar nas mãos de um monopólio, a internet poderia estar sendo controlada politicamente por um grupo somente, mas não. É claro que temos os nossos problemas, mas o modelo de governança multissetorial no Brasil é um exemplo internacional e foi semeado nas origens. Liane Tarouco, Augusto Gadelha, Paulo Aguiar trabalharam na construção da rede acadêmica, a qual serviu de estrutura técnica inicial para a internet no Brasil. Mas eles estavam ali, no WRNP, representando todos aqueles que enfrentaram diversos obstáculos, tanto para efetivar as primeiras conexões quanto para, anos depois, garantir o acesso à internet aos cidadãos brasileiros.