Conheça a história da braçadeira de sustentação em telecomunicações

Home 9 Conectividade 9 Conheça a história da braçadeira de sustentação em telecomunicações

Por Joaquim Carlos Fanton

Quando, em viagem, ficamos tão encantados com a paisagem e com o cenário à nossa volta, acabamos deixando de prestar a devida atenção a detalhes importantes. A história que passo a relatar aconteceu há mais de 40 anos e não teve a merecida divulgação. O que fiz deveria ser seguido por parte de profissionais que partem para o exterior em missões custeadas com dinheiro público.

Em agosto de 1975, viajei para o Japão e a Austrália. A missão visava colher subsídios para a introdução de cabos telefônicos com condutores de alumínio no Brasil. Assunto de alta relevância econômica e de grande visibilidade. Eu poderia ter focado unicamente no objeto da missão. Entretanto, fui olhando e comentando com um colega que viajou comigo todas as novidades encontradas no segmento de nossa responsabilidade, que ia de blocos para terminação de pares no distribuidor geral das estações a aparelhos telefônicos nas casas dos assinantes e respectivas fiações. Chamou nossa atenção a enorme quantidade de fios e cabos que as posteações suportavam e a altura dos postes. Tiramos muitas fotos para documentar o que víamos. Nada comparado ao que hoje se pode fazer usando um simples smartphone.

Reparei então que os postes do Japão eram equipados com um tipo de braçadeira que eu nunca tinha visto antes. Cintas flexíveis de aço zincado, dotadas de orifícios oblongos, como a que aparece na foto. Nossas braçadeiras eram rígidas. A gente dizia “par de braçadeiras”. Havia pares de braçadeiras rígidas para postes circulares e para postes quadrados. Cada tipo de poste requeria mais de 20 tamanhos.

Eu havia gerenciado a construção de dezenas de redes no Paraná e sabia como era difícil e caro transportar para o interior uma carga de braçadeiras. Dependendo do tamanho da rede, elas enchiam um caminhão. Nunca sabíamos as quantidades e os tamanhos que seriam necessários. Era tudo na base da estimativa. Quase sempre faltava determinado tamanho ou tipo de braçadeira. Quando sobrava braçadeira de tamanho grande, a gente improvisava com um calço. Quando sobrava braçadeira pequena, o jeito pedir mais e esperar chegar, ou improvisar com arame. O problema se agravava em caso de redes pequenas. Terminado um serviço, a equipe se transferia para outra cidade. Ficava difícil retornar.

Solicitei as especificações e o desenho da braçadeira e a NTT gentilmente me atendeu. Prossegui a viagem com uma cópia heliográfica contendo o desenho mecânico e um montão de escritos, que eu imaginava serem a especificação.

Ao retornar a Brasília, um colega que sabia ler e escrever em japonês fez a tradução. Tratavam-se de recomendações técnicas simples. O documento especificava, por exemplo, “aço de boa qualidade”. Tivemos que recorrer a nossos especialistas para definir tipo de aço, têmpera e espessura de zincagem. A peça tinha apenas quatro tamanhos e se adaptava a postes circulares e quadrados. Chamamos de BAP1, BAP2, BAP3 e BAP4. A novidade reduzia de quarenta para quatro a diversidade de peças. Uma vez especificado e desenhado o produto, mandei imprimir algumas cópias, que coloquei na minha gaveta.

Naquele tempo, a Telebras não possuía diretoria de operações, nem de assuntos industriais. Estava tudo sob a diretoria técnica. Empresários interessados em investir no segmento, vinham com frequência a Brasília para obter informações sobre o volume de mercado, projeções de crescimento, tamanho da concorrência e possibilidades de crescimento para determinados produtos.

Entre outubro de 1975 e fevereiro de 1979, atendi a dezenas de empresários. A todos, fiz apologia sobre BAP. Mostrava o desenho e especificações e insistia que se tratava de um ovo de Colombo. Ninguém queria fabricar. Achavam o produto muito simples, barato e fácil de copiar. Queriam produtos mais sofisticados.

No início de 1979, pedi licença da Telebras, para trabalhar na África. Tratei de passar minhas pendências pessoais para outros membros da equipe. Um deles herdou a BAP. Lá pelo mês de junho, o colega me ligou todo feliz e contou que tinha aparecido gente interessada na BAP. Eram dois velhos conhecidos nossos que vendiam conectores para uma empresa multinacional. Tinham decidido criar o próprio negócio. Haviam arrumado um sócio que entendia muito de estampagem progressiva. Foi uma questão de semanas para desenvolver ferramentas e iniciar a produção. A nova empresa cresceu muito e rapidamente. Em grande parte porque os sócios eram pessoas vocacionadas, que souberam estabelecer um portfólio de produtos adequado ao mercado, mas, o carro chefe que permitiu uma partida segura foi a BAP. No final de 1979, um deles me ligou. Inicialmente, me agradeceu. Mas, o que ele desejava mesmo, era me contar um detalhe que o incomodava. Em tom envergonhado, confessou:

– Fanton, me desculpe, sei que o desenho é seu, mas, para garantir mercado, solicitei patente do produto em meu nome e o INPI concedeu.

– Não tem que se desculpar de nada, a propriedade industrial não é minha, nem da Telebrás, nem da NTT.

Foi uma iniciativa acertada e de impacto muito grande para o país. Hoje, quando olho para um poste, vejo no mínimo dez BAPs. E há dezenas de fabricantes de BAPs espalhados pelo Brasil. 

Quando a guerra terminou, o Japão estava arrasado e não tinha ficado pedra sobre pedra. Precisaram recomeçar do zero. Para andar mais rápido, começaram a copiar. De carros a navios, de brinquedos a relógios. No começo, os produtos não prestavam. Com o tempo, foram melhorando. Ficaram ótimos e hoje são copiados.

Lavoisier descobriu que, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Os japoneses nos ensinaram que nada se cria, tudo se copia. Esse é o método que devemos seguir sempre, se quisermos que o Brasil realmente vá para a frente!

[[{“fid”:”6621″,”view_mode”:”default”,”fields”:{“format”:”default”,”field_file_image_alt_text[und][0][value]”:””,”field_file_image_title_text[und][0][value]”:””},”type”:”media”,”link_text”:null,”attributes”:{“height”:653,”width”:641,”style”:”width: 150px; height: 153px; float: right; margin-top: 10px; margin-bottom: 10px;”,”class”:”media-element file-default”}}]]

* Joaquim Fanton é engenheiro eletricista pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com 38 anos de experiência em redes ópticas. Foi engenheiro de redes da Companhia de Telecomunicações do Paraná (Telepar), da Telecomunicações de São Paulo (Telesp), da Telebrás e do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Hoje, atua como consultor da RNP e participa da implantação de redes metropolitanas em fibra óptica, no âmbito do Programa Cidades Digitais. Ao percorrer o interior do país, acumulou histórias que serão compartilhadas no site da RNP.