No segundo dia do Fórum RNP 2022, o diretor-executivo do ITS.Rio, Ronaldo Lemos, fez uma palestra descontraída e leve – mas com alertas para o Brasil na área da inovação e economia do conhecimento. O keynote speaker apresentou muitas fotos de suas andanças exploratórias pelo mundo para traçar paralelos e apontar caminhos para o país.
Desafiado pela organização do Fórum a prever o futuro da internet, Lemos refletiu sobre a dificuldade do exercício. “Sempre fico com um pé atrás com o futurismo. A tecnologia envolve muita complexidade e assimetria de informações. Cada um olha para um lado, é difícil prever o que vai ser relevante”, disse ele.
Para provar seu receio, o diretor do ITS.Rio citou exemplos de homens de negócios de sucesso que fracassaram na tentativa de adivinhar a etapa seguinte. No século 19, William Orton, primeiro presidente da Western Union, por exemplo, disse que o telefone era um brinquedo que não pegaria. À época, sua empresa era especializada em telégrafos.
Na sequência, Lemos traçou uma pequena jornada das telecomunicações ao longo das últimas décadas, buscando mostrar de onde viemos e para onde vamos.
Da rede acadêmica à internet das coisas
O especialista lembrou o surgimento da internet, nos anos 1960, quando ela conectava apenas máquinas. Ele se declarou um grande fã da RNP e ressaltou o papel da instituição na implantação da primeira rede no Brasil, na década de 1990, à época para ligar apenas instituições acadêmicas. Depois, com o advento da internet comercial, a rede passou a conectar também pessoas. Agora, Lemos afirma que já estamos vivendo a era da internet das coisas (IoT). “Todas as coisas”, frisou. “De pequenas a grandes, de ventiladores a micro-ondas, passando por grids de eletricidade, sistema de transporte e plantas industriais. O IoT tem um potencial extraordinário, é algo que gera muito valor”, complementou. Lemos lembrou que foi um dos formuladores do Plano Nacional de Internet das Coisas, marco criado para ajudar o Brasil no setor.
O especialista, que chegou há apenas dois dias do continente africano, exibiu imagens de suas viagens à China e a países do continente africano, onde gravou episódios da série “Expresso Futuro”. Afirmou que o país asiático é um exemplo de evolução tecnológica em apenas 40 anos – trajetória que pode servir de inspiração ao Brasil. “Os pilares dessa transformação são inteligência artificial, internet das coisas, big data e computação em nuvem”, elencou.
Sobre a África, afirmou ter saído impressionado com o grau de inovação de Nairóbi, capital do Quênia: “Eles usam um sistema de pagamentos digitais, o M-Pesa, desde 2007. Nosso PIX só foi implementado há dois anos”. Não à toa, a região passou a ser conhecida como a Savana do Silício. Lemos contou ainda que uma marca africana, a Transsion, desenvolveu um celular com câmeras adequadas para fotografar pessoas negras, uma vez que os dispositivos ocidentais são formatadas para registrar indivíduos brancos.
“Enxerguei muito o futuro, o que aumenta o senso de responsabilidade do Brasil para aproveitarmos as oportunidades. A gente não pode ficar para trás. Precisamos deixar de ser apenas consumidores para nos tornarmos produtores de tecnologia e de inovação. Temos muito trabalho pela frente”, disse para encerrar sua palestra.
Assista à integra da palestra de Ronaldo Lemos aqui.
Pioneiros da Internet no Brasil contam desafios e histórias
Se Ronaldo Lemos projetou o futuro das comunicações, o painel “30 anos de internet no Brasil” trouxe pioneiros da construção do primeiro backbone nacional para relembrar os desafios da época. A mediação da conversa descontraída foi de Marcello Frutig, coordenador-executivo para Gestão da Estratégia da RNP.
Há 30 anos, por ocasião da Rio-92, era instalada a primeira rede de internet ligando 10 capitais e o Distrito Federal ao exterior, com infraestrutura implantada pela RNP.
Saliel Figueira Filho, que trabalhava então no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), contou que as articulações para a criação da rede começaram alguns anos antes do evento. “Em 1990, iniciou-se a articulação mais avançada do que seria a internet. O Alternex [primeiro provedor de acesso à rede no Brasil] já existia, baseado em um sistema de mensagens entre máquinas, em cima de interface desenvolvida por um time na Califórnia”, contou Figueira Filho, que hoje atua na Claro.
Carlos Campana, à época pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), relatou a expansão da rede pelo país. “A cada dia uma nova instituição entrava na rede, e a gente via a mudança acontecendo na hora. Quando chegava a conectividade, os pesquisadores começavam a conversar na hora com seus pares”, afirmou Campana, atualmente na Amazon Web Services (AWS).
Teve espaço também para histórias insólitas. Marcello Frutig lembrou de quando participou da instalação da rede de internet no Palácio do Planalto, em Brasília. Era sua primeira vez na capital federal. Jovem e desconhecendo os protocolos de alto escalão do governo, chegou sem paletó para o trabalho. O jeito foi vestir o uniforme da equipe de manutenção do prédio para conseguir ter autorização para entrar. “Infelizmente, era de alguém um pouco mais magrinho do que eu. Apesar da situação inusitada, foi realmente uma experiência incrível”, rememorou ele, causando risadas nos demais participantes.
Beatriz Zoss enalteceu o papel das mulheres no processo. “Entrei na RNP na época da ECO-92. Represento a parte mais feminina, que suportou, ao lado de tantas outras, essa estrutura, e ajudou a gente a fazer isso”, pontuou a gerente de Relacionamento com o Cliente da RNP.
Hoje na Dell, Wagner Ikeda trabalhava na RNP nos anos 1990. Ele integrava a equipe de Tadao Takahashi, um dos fundadores da instituição, falecido em abril deste ano. Ikeda lembra de ter ficado “maravilhado” ao receber seu primeiro e-mail. E não deixa de se surpreender com os avanços na área. “Hoje estou com 600 MB/s na minha casa. É um crescimento exponencial que a gente vê em todas as áreas relacionadas às comunicações”, ressaltou o engenheiro de computação.
Veja mais histórias dos pioneiros da Internet no Brasil assistindo à íntegra desse painel.